8.3.08

A constelação misteriosa do Michelin

Le Grand Vefour - que há dois séculos é uma instituição em Paris com vista para os jardins do Palais Royal – perdeu sua terceira estrela no prestigiado Guia Michelin. Este foi o único restaurante que teve sua constelação destituída, na edição de 2008 da Bíblia da gastronomia francesa. De acordo com o diretor, Jean-Luc Naret, os inspetores que avaliam os restaurantes visitaram o chef Guy Martin entre 10 e 12 meses, durante 2 anos, antes de decidir rebaixá-lo. “O problema é a consistência. Guy Martin não perdeu o seu talento, mas quando se tem um dos 68 melhores restaurantes do mundo, tem que ser bom todos os dias”, disse Naret em entrevista à Associated Press.

Martin que começou sua carreira em uma pizzaria e passou a comandar jantares com a clássica culinária francesa – preferiu não comentar o ocorrido. No momento, ele está envolvido no projeto de um novo restaurante em Boston, chamado Sensing. O restaurante foi inaugurado em 1784 e ostentou uma imponente clientela como Napoleão e sua esposa Josephine, os escritores Victor Hugo, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Colette e André Malraux, de acordo com o seu website.

A edição 2008 do Guia Michelin (disponível em francês e inglês) incluiu 435 estabelecimentos com 1 estrela; 638 com duas; e 26 com três. Apenas um estabelecimento - Le Petit Nice – localizado no sul da cidade de Marselha conquistou o disputado ranking três estrelas. Este também é o primeiro da região a ganhar a mais alta classificação no guia. Fundado em 1917 pelo avô do atual chef Gerald Passedat, a casa é especializada em frutos do mar. Para ele, a premiação é “a consagração de três gerações de chefs” e que sente honrado pela sua família, equipe e clientes”. Seu menu inclui uma moderna interpretação de bouillabaisse, que o restaurante promete ser light e com gosto de mar”.

Naret afirmou que o Le Petit Nice foi premiado por utilizar ingredientes locais e reinterpretar as receitas de sua família com um sabor surpreendente. O Guia Michelin está justificando suas decisões com mais freqüência por conta da repercussão de um livro publicado em 2004 por um antigo ex-inspetor. Ele alegou que o guia havia poucos inspetores para visitar os restaurantes e alguns chefs mantinham suas estrelas apenas por prestígio. O diretor insistiu que o Guia trabalha com agentes anônimos – responsáveis por erguer ou declinar a carreira de um chef – não emitem suas opiniões. Ele ainda disse que cerca de 15 inspetores que trabalham em tempo integral mantêm sigilo inclusive da família. Qualquer inspetor que for descoberto por um restaurante fica impedido de visitar a região onde este está localizado por cinco anos.

Os profissionais viajam cerca de 18 mil quilômetros por ano e visitam, em média, 800 restaurantes e hotéis. E apesar de comerem constantemente na alta gastronomia, o esteriótipo desses gastrônomos anônimos é slim. “É a dieta do Michelin. As mulheres francesas não engordam e os inspetores Michelin também”, disse Naret.

Em 2003, o suicídio do francês Bernard Loiseau após ter perdido sua terceira estrela gerou grande comoção e acendeu o debate sobre as pressões da mídia para com a alta gastronomia. Um ano depois, o Guia sofre novo abalo, agora por um ex-integrante do secreto guia, fundado em 1900. Diante desses escândalos, a organização procura, em 2008, ser mais transparente em suas decisões. Entretanto, a fala de Naret ao mesmo tempo em que tenta demonstrar clareza aponta para uma rede misteriosa e reforça sua credibilidade partindo da negação da identidade de seus agentes. Será saudável manter uma avaliação de restaurantes em tão intrigante trama de mistérios?

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