7.3.08

Antes de partir: o sabor do café


Dois estranhos com estilos de vida completamente opostos – inclusive os hábitos alimentares – se conhecem num quarto de hospital e iniciam uma amizade intensa com experiências transformadoras. Antes de partir, relata a virada do milionário Edward, interpretado por Jack Nicholson (dono do hospital onde estão internados); e o mecânico Carter, pai de três filhos que não realizou o sonho de ser professor, vivido por Morgan Freeman. A diferença entre os dois homens - que têm em comum a faixa etária e a previsão de no máximo 12 meses de vida – é evidenciada pela alimentação, que ao final da trajetória da dupla deixa bem claro o que representa as escolhas de cada um.

O aforismo de Brillat-Savarin “diga-me o que comes e te direi quem és” é preciso para definir a personalidade de Carter e Edward. O perfil deles foi delimitado no filme a partir do café que eles consomem. Dado relevante, pois os personagens são americanos e, de acordo com pesquisas, os Estados Unidos são os maiores consumidores da bebida no mundo. Carter é fã do popular Chock Full o’Nuts, uma rede de fast food que existe há 75 anos, em Nova Iorque. O personagem, inclusive, coleciona latinhas antigas da bebida, que tem uma função especial para a dupla.
Já Edward é apreciador do Kopi Luwak, conhecido como o café mais caro do mundo, comercializado a 250 euros o quilo. A bebida é produzida na indonésia a partir da digestão de um pequeno marsupial asiático chamado Luwak. Os preparadores recolhem as fezes do Luwak, lavam os grãos cuidadosamente e produzem, assim, aquele que os especialistas consideram o melhor café. Equipado com uma cafeteira-sifão luxosa, o personagem toma frequentemente a bebida, ostentando sua qualidade, sabor e exclusividade. Mesmo no hospital, o Kopi Luwak e o kit de utensílios o acompanha.
Como bom gourmet, o personagem de Jack Nicholson encomenda suas refeições de um renomado restaurante italiano, enquanto Carter aguarda sua sopa de ervilha, da qual reclama do sabor. Os hábitos refinados do amigo Edward não impressionam Carter, que por várias vezes rejeita o convite para degustar o Kopi Luwak, o que deixa Edward indignado. Carter sabe contar a origem do café e diz que prefere o seu instantâneo Chock Full o’Nuts. Ao se lançarem numa aventura emocionante – contrariando os médicos e o bom senso – a dupla compartilha conflitos, alegrias e tristezas. A conviência contribui para o aprendizado, produzindo experiências singulares, capazes de valer por toda uma vida.
Seguindo uma lista de tarefas para serem cumpridas antes de partir, Carter e Edward superam desafios e encontram na simplicidade o prazer de viver. As diferenças produzem afinidades e a interpretação cativante de Nicholson e Freeman traz uma reflexão a respeito da amizade e dos laços afetivos, como os familiares. Uma cena emblemática que envolve os hábitos alimentares é o retorno da viagem. Enquanto Carter é recebido pela família com uma mesa farta e alegre; Edward contrata duas garotas de programas e sente, pela primeira vez, uma imensa solidão. Ao buscar refúgio na comida, entra em desespero ao ver que acabou o sachê do refinado Kopi Luwak e, ao abrir a geladeira, encontra um prato de refeição pronta numa embalagem irritantemente difícil de abrir. É hora de rever os seus valores. As cenas que seguem mostram um milionário quebrantado, capaz de chorar em público ao falar de suas emoções e de reencontrar a alegria nas pequenas coisas. A lista de desejos é seguida rigorosamente até o final – não exatamente da forma como os dois imaginavam – mas de maneira surpreendente, onde o popular Chock Full o’Nuts permeia a narrativa do início ao fim, agregando as diferenças.

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