6.8.08

Tá hora do Recreio!



O simples está na moda. Privilégio para poucos que talvez não experimentaram a modernidade da vida urbana mas, nem por isso, deixaram de inspirar tendências de consumo. A simplicidade agora é luxo. Tive a oportunidade de visitar um desses redutos sossegados, livres de tecnologias como celular, internet e até televisão. É um alívio para a acelerada rotina dispensar esses aparatos. Eu e meu marido, o Fernando, fomos convidados pelo casal de amigos Ricardo e Raquel para conhecer a cidadezinha mineira de Recreio, que preserva essa simplicidade com fartura e autenticidade. Com pouco mais de 10 mil habitantes, Recreio – ao contrário de sua xará carioca – dá preferência ao trânsito de pessoas. Pelas poucas ruas de paralelepípedo cruzamos com gente, cavalos e jumentos. Bastou algumas voltas na típica cidade cenográfica para conhecer o roteiro dos apetitosos programas em Recreio. Os amigos nos avisaram que a principal atração seria a comida. Como adoramos aventuras gastronômicas, embarcamos famintos.

Fomos recebidos por nossos anfitriões, Eliane e Luiz, com “comida mineira de verdade”, avisaram. No menu, carne de panela, batatas coradas, arroz e um feijão acolhedor. Pela recepção já sabíamos que os próximos dias seriam de fartura à mesa e de refrigério para o corpo. As opções de lazer foram substituídas pelas opções de comer. Na padaria da Mara provamos um rocambole de doce de leite com jeito mineiro, aquele que parece que foi feito na sua casa pela sua mãe. Isso sem contar o pé de moleque, fresquinho e crocante. Ficamos fregueses em apenas um final de semana. Foi Mara! (como diria o seu Ladir, da série global Toma Lá da Cá).

No roteiro, provamos uma combinação provocante: aipim com torresmo. Sem reservas. Sem frescuras. Sem dietas. Preferimos não pensar em colesterol. Poderia estragar o nosso Recreio. E era tudo que não podia acontecer. Estávamos famintos, interessados em conhecer pela boca a cidadezinha acolhedora. Adoramos o aipim com torresmo. Repetimos a porção no dia seguinte. A pele crocante, dourada e enrugada, estalava a cada mordida. Era um convite tentador. Não deu para resistir. Afinal de contas, não encontro esse torresmo em qualquer lugar. Estava no Recreio, tinha que aproveitar.

Ah, também comemos churros. Adoro churros, mas sempre fico receosa de comer nas barraquinhas do Rio. Matei as saudades. Era um dos lanches prediletos no recreio escolar. Ainda conheci o cachorro-quente mineiro, feito com carne moída. Aprovado. Assim como o doce de batata doce, o de abóbora e o cajuzinho. Tudo feito em casa com muito amor. Foi de dar água na boca o papo que ouvi de duas senhoras sobre a versatilidade da nata, que els acumulam do leite fresco. Biscoito, manteiga, bolo, pão. Tentei pegar alguma receita, mas sem sucesso. “O leite que você consome não tem nata. Não dá para fazer as receitas”, ouvi de uma delas. Tá certo. Nem insisti. Fiquei só na vontade.

Um dos programas mais interessantes foi o açougue suíno do seu Vilder. Há 25 anos no ofício que aprendeu com pai, ele prepara diariamente lingüiças , bacon, presunto, lombo defumado, paio e choriço. Tudo artesanal. Todos os dias o porco chega de Cataguases para o matadouro de Recreio. Depois o bicho é destrinchado com maestria por Vilder, que tem clientela certa e ainda recebe encomendas do Rio e de São Paulo. Ele aproveita porco inteiro. Transforma o bicho em versões deliciosas. Nada fica sub-utilizado. Ele vende até um kit feijoada, apreciado e disputado pelas donas de casa para colocar no feijão.

O movimento no açougue é frenético. Fiz minha encomenda antes de chegar na cidade porque corria o risco de não ter linguiça, já que era época de feira agropecuária. Uma das lingüiças é temperada com noz moscada e pimenta malagueta. Adorei. Para preparar, fogo baixo e paciência. Vale a pena. Deliciosamente fresca, saborosa, tenra, com o gosto acentuado do pernil. Vilder contou que produz 150 kg por semana para atender a demanda. O trabalho é feito pacientemente por ele e pelo seu filho, Bruno. E mesmo passando o dia produzindo co-produtos do porco, ele diz que não enjoa. É porco de manhã, de tarde e de noite.

O banquete encerrou no domingo com um suculento churrasco de porco, claro. Um sabor exclusivo, mineiro mesmo. Toda essa atmosfera, que combina fartura à mesa com hospitalidade, nos fez sentir em casa. De verdade. Prova disso foi a noite de sono tranqüila. Em Recreio, o tempo passou mais devagar, bem slow. Adoramos a familiaridade, a comilança, a simplicidade, o apreço. A comida foi o lazer, o centro do convívio e do prazer. Não faltou assunto, receita e sugestõs para experimentar. Teremos que deixar para a próxima viagem. Na bagagem, além das linguiças, carré e bacon, trouxemos para o Rio manteiga, ovo caipira e doces. A celebração do simples tem complexidade e distinção. Só quem tem sensibilidade (inclusive gastronômica) é capaz de se encantar com o aconchego de uma mesa bem posta. O Recreio foi divertidíssimo. Pena que tocou o sinal.